Uma visão geral sobre o direito digital no Brasil

Por Rafaela Naira Marques de Souza

Esta área do direito em crescimento exponencial se deve ao contexto histórico-social em que estamos. Qual é o papel do direito na era digital e que evolução tivemos no Brasil até agora?

Atualmente, estamos vivendo a chamada “4ª Revolução Industrial”, um conceito criado pelo alemão Klaus Schwab em seu livro homônimo de 2016. Como toda revolução, é um processo de transformação mundial devido ao desenvolvimento das tecnologias digitais, que surgem e se aprimoram devido à fatores como a necessidade de rapidez na produção, aumento de lucro e diminuição de desperdícios, decorrentes do capitalismo como sistema econômico consolidado. A transformação não está apenas no modo de se informar, mas também no modo de se comunicar, de trabalhar e de viver. Como compara o autor Manuel Castells em seu livro Sociedade em Rede, a tecnologia da informação é o objeto desta revolução, sendo o que as novas fontes de energia foram para as revoluções industriais que ocorreram.

Com o aprimoramento da tecnologia, temos como objeto a informação, que agora é muito mais acessível, fácil e rápida de ser encontrada através da internet. O problema é que, devido a esses fatores e à quantidade exorbitante de informações, fica difícil, senão impossível, o controle pelos provedores de internet e pela lei, das fontes, da veracidade, da credibilidade e da qualidade dos conteúdos informativos, disponíveis para o acesso de bilhões de pessoas. Surge disto o problema das “fake news”, as notícias falsas e por consequência a desinformação. De acordo com Jamie Angus, diretor do Serviço Mundial de Notícias da BBC, a revolução digital está impulsionando as fake news e os conteúdos de má qualidade.¹

Somos bombardeados diariamente, principalmente através das redes sociais e de seus algoritmos. Temos como claro exemplo disto o caso Cambridge Analytica, empresa que coletou dados de mais de 87 milhões de usuários do Facebook para manipular os votos da eleição presidencial estadunidense de 2016, através da conversão desses dados em notícias específicas (falsas ou não) a serem mostradas para o usuário. Esse é outro conceito presente na sociedade digital, o Big Data, onde um número massivo de dados pode ser analisado, demostrando que as notícias que recebemos podem ser manipuladas e como as tecnologias digitais podem, além de causar desinformação, afetar, a democracia e até a liberdade de escolha, além de violar direitos como a privacidade.

A internet cria o conceito de ciberespaço, termo inventado por William Gibson no seu romance Neuromancer, definido por Patricia Peck Pinheiro em seu livro Direito Digital como o conjunto das redes de computadores e serviços existente na Internet, criando uma espécie de planeta virtual onde as pessoas se relacionam. Porém o ciberespaço é passível de conflitos e de crimes, seus acontecimentos refletem no mundo real, gerando uma ubiquidade. Passa a existir a necessidade de não deixar a internet ser uma “terra de ninguém”, pois há incontáveis direitos em jogo, como o direito à intimidade, à informação, e à liberdade de expressão, sendo necessário ao mesmo tempo a proteção pela lei contra a censura e os discursos de ódio, por exemplo. Entra em cena o direito digital com esse papel, devendo definir limites e sanções das ações tomadas no meio digital. Mudanças sociais exigem mudanças na forma que o Direito é pensado e aplicado, devendo refleti-las.

Temos na legislação brasileira, por exemplo, a Lei dos Crimes Cibernéticos (Lei 12.737/2012), conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, nome recebido após a atriz ter tido fotos íntimas divulgadas sem sua permissão. Essa lei tipifica os delitos de cunho informático, como a invasão de computadores a fim de obter dados sem o consentimento de seu titular, preservando a privacidade e a intimidade de cada um.

De extrema importância, o Marco Civil da Internet foi sancionado em 23 de abril de 2014, estabelecendo princípios, direitos e deveres para o uso da internet, determinando ainda as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O marco veio também para, segundo seu Artigo 7º, assegurar direitos como a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e das comunicações privadas dos usuários da internet. Com o Marco também surge a responsabilização dos provedores, pessoas físicas ou jurídicas que são responsáveis por nos trazer a informação, os intermediários da internet, desde operadoras de telefonia até as redes sociais que disponibilizam conteúdo de terceiros. Essa responsabilização ainda é relativa e se dá em casos específicos.

Como exemplo mais recente, a Lei Geral de Proteção de Dados (nº 13.709/2018), dispõe sobre o tratamento de dados pessoais dentro e fora do meio digital, colocando a pessoa à quem se referem os dados como titular destes, garantindo o acesso livre e facilitado sobre como e por quanto tempo seus dados serão utilizados, além da necessidade do seu consentimento.

Além dessas leis já em vigor, ainda temos Projetos de Lei em discussão, dentre eles o Projeto de Lei 2630/2020, conhecida como “PL das Fake News”, que estabelece normas relativas à transparência e à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação. O PL vem recebendo inúmeras críticas, como a possibilidade de servir para acirrar a polarização política. Ainda há outros Projetos de Lei que podem ser citados, como o PL 7758/2014, que tipifica penalmente o uso de falsa identidade na internet

 Há notável evolução do direito digital brasileiro, cujo papel é tutelar e regular as ações no ciberespaço de modo a assegurar os direitos fundamentais dos usuários. Demanda trabalho e esforço para que a internet não vire uma terra sem lei e para que os direitos sejam protegidos no âmbito digital e na “vida real”, onde ele reflete. Esse trabalho vai depender não só dos 3 Poderes da União (como a criação e fiscalização das leis e o papel fundamental do poder judiciário) como da contribuição e responsabilidade de todos nós como cidadãos dentro e fora da internet.

Por Rafaela Naira Marques de Souza
Estudante de Direito

Referência:

1 Cesar Baima: “ ‘A REVOLUÇÃO DIGITAL ESTÁ IMPULSIONANDO AS NOTÍCIAS FALSAS’, DIZ DIRETOR DA BBC” Época, 2019. Disponível em: https://epoca.globo.com/a-revolucao-digital-estaimpulsionando-as-noticias-falsas-diz-diretor-da-bbc-23565883. Acesso em:15/10/2020.

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